sábado, 22 de outubro de 2011

Meu pai e a frase mais valiosa

Meu pai é um desses caras calados, quietos, sérios ou como preferir
denominar... Foram poucas as vezes que eu vi ele rir de gargalhar, foram
poucas as vezes que ele demonstrou algum carinho por alguém, foram raras
as vezes em que eu vi ele chorar, nunca foi um pai muito presente,
sempre esteve ali, nunca deixou faltar nada em casa, mas também nunca
perguntou como eu ia na escola, em que série eu estava ou coisa do tipo,
na minha infância foram raras as vezes em que ele brincou comigo, lembro
que eu morria de inveja das minhas amigas que tinham pais brincalhões e
participativos, e eu demorei muitos, muitos anos para entende-lo, achava
que ele não gostava de mim, que eu não cumpria suas expectativas ou que
sei lá, ele não queria ter uma filha, já que eu tenho apenas irmãos.
Minha adolescência nesse aspecto foi muito complicada, ele raramente
falava comigo ( ou com qualquer um da casa), mas na época eu acreditava
que o problema estava em mim e fazia coisas que eu sabia que ele não
gostava só para ele vir falar diretamente comigo, nem que fosse para me
dar uma bronca.
Certa manhã na escola, quando eu tinha por volta de 13/14 anos, a
professora de artes ia presentear o aluno que construisse a melhor obra
de arte, e lá fui eu, tentar fazer alguma coisa na esperança de levar o
brinde, eu era muito " boca dura" e tinha muitos problemas com o
coordenador da minha escola, talvez por minha vida não se resumir em
maquiagens e meninos bonitos como as das outras alunas da minha idade,
eu lia muito desde então, e eu e o coordenador frequentemente entravamos
em conflito verbal, acredito hoje que ele fazia aquilo para me testar, e
teve lá sua importância, aprendi que eu precisava argumentar e discutir
se estava interessada em uma vitória verbal. Como eu disse, eu como
todos queria levar o presente, e estava tentando construir alguma coisa
bonita, que me fizesse ganhar, o tal coordenador entra na sala e vai até
minha mesa, começa a rir e joga meus recortes de revista fora, alegando
que eu era cega e não podia fazer um trabalho de arte. Eu que estava na
adolescência, naquela fase toda de me aceitar como tal levei na cara e
fiquei muito magoada, esperei ele sair, corri da sala e pulei o muro da
escola para casa, já que eu morava no outro lado da rua.
Entrei em casa, me joguei no sofá e chorei por muito tempo, um choro
doído, do tipo que se chora poucas vezes na vida, não sei em que momento
ele apareceu ali, não lembro se ele perguntou alguma coisa, só lembro
que ele me abraçou ( um dos raros abraços que ele me deu) e ficou
acariciando meus cabelos até eu me acalmar, acho que ficamos muito tempo
nisso, eu sentia meus olhos doídos e minha garganta irritada quando
consegui ficar mais calma, ele não perguntou o motivo ( se o fez, eu não
lembro), ele não me perguntou quem havia me feito chorar, talvez ele já
soubesse, talvez ele tenha seguido aquele instinto que os pais dizem
ter, talvez ele me conhecesse mais do que eu imaginava, ou talvez ele
resolveu só arriscar um palpite, ele beijou minha testa e disse que não
era para eu chorar, que eu era capaz e podia ser tudo aquilo que eu
desejasse se eu fosse atrás.
Lembrei dessa história agora, me arrependo de não ter lembrado
antes, creio que minha memória tenha prendido esse fato e soltado agora,
no momento mais correto, no momento que eu estou mudando, que eu estou
indo a caminho do novo e desconhecido, no momento que eu estou alguns
passos afrente, na longa caminhada que terei que percorrer para realizar
meus objetivos. Nós nunca conversamos muito, nós nunca fomos amigos, mas
ele soube, no pior momento, mesmo sem eu esperar, me dizer de forma
simples, tudo aquilo que eu precisava ouvir para a vida toda, obrigada,
pai.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Uma pobre cega nas desafiadoras provas do Enem

E amanhã é dia de prova do Enem e preciso admitir que isso me dá
frio na barriga, feio, uma pessoa do meu tamanho e idade tendo friozinho
na barriga por uma provinha qualquer, mas é essa a realidade, sinto frio
na barriga quando penso no Enem, e irei relatar minha terrível
experiência do ano anterior.
Quando me inscrevi no dito cujo, marquei lá que era cega, que
precisava de atendimento especial e bla, bla, bla, estava inscrita no
exame, um tempo depois, recebi uma ligação do MEC perguntando do que
exatamente eu precisava, prova em Braille, computador adaptado e essas
coisas, na hora fiquei muito feliz, computador para fazer a redação era
tudo que eu poderia querer, e já que estavam oferecendo um seria ótimo.
Chego no dia da prova e me levam para a dita " sala especial",
pergunto pelo meu computador e cadê? onde está o meu lindo
computadorzinho?, é, ele não veio... E eu na esperança de usar o
computador não pedi prova em Braille e me fodi... Passado esse "
pequeno" probleminha começa a prova, e minha ledora querida queria minha
caneta azul ( ou preta?), veja bem, euzinha aqui, cega, sonhando com um
computador para fazer a prova, qual motivo me faria levar uma caneta
para o exame???? após umas caras de bunda da ledora, caneta emprestada
da sala ao lado, começa a prova... Uma das ledoras lia muito bem, era
jornalista, tinha uma voz boa e tal, mas ah, minha gente, estava eu numa
sala enorme, apenas eu e a ledora ali, um silêncio total nos corredores,
uns passarinhos cantando suavemente na janela, o sono foi inevitável, eu
meio que parava de ouvir a ledora e me " ligava" quando ela tava
perguntando a resposta certa, e aí, para não ter que passar por tudo
outra vez eu dizia qualquer letra e partia para a próxima questão
torturante, eu não consigo mesmo ficar atenta com alguém lendo para mim
o tempo todo, no começo até vai, mas depois que acostumo com a voz é um
martírio, e foi assim a prova toda, ah! e preciso comentar das questões
com figuras...A fiscal das salas especiais veio me contar toda alegre,
que esse ano as provas especiais tinham descrições de figuras, que tudo
ia ser mais fácil e lindo, e eu acreditei, e me fodi outra vez. veja
bem, eu sou cega, sempre fui cega e nunca vi coisa alguma com os olhos
:D uma das questões era sobre um jogo de futebol, a figura descrevia os
jogadores com os braços levantados, joelhos dobrados e sei lá mais o
que, e era para responder o que eles estavam fazendo, eu tive que rir
dessa questão, o idiota que fez essa descrição certamente estava rindo
da minha cara, se eu sou cega, se eu nunca vi um jogo de futebol na
vida, qual é, qual é pelo amor de jesuis perguntar o que o jogador está
fazendo com os braços levantados e joelhos dobrados???? ( fato que eu
chutei qualquer coisa), tinham outras questões bem descritas assim na
prova, fora as tabelas e gráficos de matemática que as descrições
estavam de dar pena e eu novamente tive que chutar tudo, mas algo que me
irritou mesmo foi a redação, maldita redação, maldito exame, maldita
ledora. A infeliz fez eu soletrar palavra por palavra da minha redação,
eu entendo que a escrita é importante, eu entendo que isso é avaliado e
tudo o mais, mas se alguém tem a habilidade de ditar um texto, coisa que
eu já acho uma droga e ainda ter que soletrar tudo, parabéns, eu,
infelizmente não possuo essa característica e devo ter feito a redação
mais lixo possível.
Eu odiei a experiência, sei que muitos colegas cegos tiveram vários
problemas como eu, teve ledor que não apareceu no dia e o cego se
ferrou, teve cego que pediu prova em Braille e não recebeu, teve cego
que não conseguiu chegar até o local da prova, e muitos outros
problemas, acho que o exame precisa melhorar absurdamente ainda, e já
que querem obrigar a fazer, que façam alguma coisa no mínimo prestável
então, eu nunca faria de boa vontade, só faço por ser pobre e precisar
do Fies para o próximo ano, sorte que não depende da nota, que
provavelmente a minha será vergonhosa caso eu tenha as mesmas
dificuldades do ano anterior, aos colegas que vão prestar a prova, boa
sorte, e toneladas de paciência para nós.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Os sonhos e o falso limite

Todos nós temos sonhos, alguns grandes, outros de menores proporções
e possivelmente "alcançáveis", mas tem gente que sonha grande, e que é
chamado de louco, maluco, doente ou coisas do tipo pela sociedade. Foi
assim comigo, foi assim com muitos colegas de deficiência por aí, e vai
continuar sendo assim, infelizmente, lembro de certa vez quando era
criança, que a escola levou os alunos em uma palestra com um advogado
político de outro estado, eu que a bastante tempo já participava dos
movimentos realizados pelos cegos de Cascavel, fui toda empolgada, ao
contrário das outras crianças que achavam palestras chatas, sem sentido.
A palestra ocorreu normalmente, claro que na minha tenra idade de 10/11
anos eu não entendi muita coisa, mas mesmo assim adorei estar ali,
adorei poder participar daquilo, adorei simplesmente poder estar ali,
fazendo parte. Quando o palestrante abriu para questionamentos, eu
levantei a mão na hora a professora pulou da cadeira e começou a me dar
bronca, queria me impedir de falar, o palestrante no entanto desceu até
a plenária e foi até onde eu estava, lembro que era um senhor bem alto,
e que teve que se abaixar para falar comigo, ele perguntou o que eu
queria falar, e eu com medo da professora brigar comigo me recusei a
abrir a boca, ele insistiu um pouco, e eu disse que quando fosse grande
queria ser uma política ou advogada igual a ele, ele sorriu, alguns
deram boas risadas, e a professora me arrastou dali me levando para o
ônibus. Nunca entendi o motivo de ela ficar tão irritada, mas levei uma
bela bronca e tive que ouvir dela e da coordenadora que até para sonhar
tem um limite.
Eu sou rebelde e nunca limitei meus sonhos, sonho grande, enorme,
gigante, e para talvez realizar esse sonho em particular eu terei que
fazer um caminho mais longo do que eu poderia fazer se continuasse aqui
em Canoas e entrasse no curso de Ciências Políticas da Ulbra, mas por
não ter me adaptado aqui em Canoas e achar que Cascavel é o melhor para
mim no momento, meu caminho vai ser mais longo, mas eu espero daqui a
alguns anos chegar lá onde eu quero, e vou adorar poder ver essa
professora novamente, e contar para ela que para sonhar não existe
limites.