quinta-feira, 22 de setembro de 2011

(Enorme), um ponto de vista sobre os cegos de Canoas/Cascavel

Pessoal, eu venho comentando com alguns amigos, e até eventualmente
no Twitter sobre os cegos aqui de Canoas/ cegos lá de Cascavel, para que
não haja desentendimentos ou qualquer coisa do tipo, resolvi escrever
aqui para quem quiser ler o meu ponto de vista sobre os cegos de Canoas
e os cegos de Cascavel, antes de tudo saliento que não quero, de forma
alguma ofender os cegos do RS, não quero ofender os professores e
pessoas ligadas aos cegos de Canoas, nem defender os cegos de Cascavel,
é apenas um ponto de vista geral, e apenas dos cegos de Canoas, são
apenas fatos que eu pude perceber no tempo que convivi com eles baseado
na experiência que eu já tinha com os cegos de Cascavel, então, por
favor, sem paranoias.
Eu sempre fui cega, e desde sempre minha mãe me levou na escola
especial, onde eu aprendi a engatinhar, ler e escrever, usar o
computador, andar sozinha e tudo o mais, quando eu tinha uns oito ou
nove anos de idade, minha mãe me levava nas reuniões da associação de
cegos de Cascavel, que eram palestras, estudos e opiniões dos cegos
sobre o cotidiano, problemas sociais e assuntos de interesse geral, eu
não entendia nada, obviamente, mas posso dizer que sempre participei da
associação e isso foi muito importante para o meu crescimento como
pessoa.
A associação de Cascavel é mantida por um grupo de cegos, não
depende de filantropia e na verdade sempre repudiou esse tipo de ajuda,
os membros da associação na maioria trabalham, muitos possuem nível
superior, muitos são professores universitários e enfim, pessoas
socialmente ativas, que pegam o ônibus todos os dias, que trabalham e
sobrevivem com o seu salário mensal. E foi assim que eu cresci, foi
assim que eu fui educada, sempre acreditei que cegos podem trabalhar,
andar sozinhos, fazer faculdade, e serem pessoas independentes e
socialmente ativas, lá em Cascavel os cegos fazem parte da cidade, todos
os dias tem cegos andando independentemente, indo para o seu trabalho,
seguindo suas vidas.
Quando eu mudei para o RS, eu imaginava que aqui sim, por eu estar
tão próxima de uma grande capital seria o paraíso, imaginava cegos
inteligentissimos, pessoas muito superiores aos cegos de Cascavel,
imaginava uma associação maravilhosa, onde eu iria me encontrar e ser
compreendida, por mais que eu elogie os cegos de Cascavel, eu não
concordo com muitas, muitas de suas opiniões, apesar de os admirar
imensamente, pelo que são e o que conseguiram como pessoas.
Quando eu cheguei aqui a primeira coisa que notei é que quase não se
via cegos pelas ruas, demorei algumas semanas para ouvir o primeiro cego
bengalante, e já comecei a achar tudo muito estranho, as pessoas ficavam
perplexas com a minha desenvoltura, segundo elas os cegos daqui andavam
com medo e com passos curtos, o que me fez estranhar ainda mais, quando
eu fui conhecer a associação daqui, eu quase tive um tréco, a associação
é totalmente mantida por caridade/voluntários, o que já me deixou muito
desconfiada, o presidente é cego, mas quem manda mesmo são as
professoras e voluntárias, os cegos são presos, muito, muito inferiores
aos cegos de Cascavel, ali ninguém trabalha, pouquíssimos estudam,
pouquíssimos andam sozinhos, mais poucos ainda são os que vivem sozinho
com independência, e o que me deixou perplexa, quase nenhum dos cegos
conhece informática, raros são os que sabem o dosvox, e não é por falta
de estrutura, a entidade tem um batalhão de voluntários, e um espaço
físico que daria inveja a nossa modesta salinha em Cascavel.
Fiquei desconfiada, mas resolvi participar, vai que eu era a louca
paranoica e o negócio era bom, o pessoal é muito bacana, todos foram
muito educados e queridos comigo, minha crítica não é sobre ninguém em
especial, e sim sobre o desenvolvimento da associação como um todo. A
associação tem várias aulas, teatro, música e artesanato são algumas,
isso é positivo? claro que é positivo se fosse bem administradas, não em
relação aos professores e voluntários, claro que não, mas no sentido de
serem enriquecedoras, de complementarem algo que ali não existe, fazer
artesanato, bancar o músico ou ator é ótimo, mas o mundo não para por
aí, principalmente as pessoas com deficiência precisam ser instruídas,
precisam lutar pelos seus direitos, precisam mostrar para a nossa
sociedade que somos sim capazes, que somos pessoas normais como todos, e
realmente ficar brincando de casinha não vai conquistar nada disso, a
vida de um deficiente é uma constante luta, é uma constante superação, e
se deixarmos sermos manipulados por voluntários que acreditam que o cego
é um pobre coitadinho isso nunca vai acontecer, e o pior de tudo é que
ali na associação de Canoas os cegos se deixaram manipular, se
acostumaram com a imagem de cego coitadinho e a mantém sem esforço,
poucos são os que querem mudar, poucos seriam os que aceitariam minha
crítica de uma forma positiva, e isso é muito, muito triste, é muito
triste saber que uma associação que tinha tudo para ser uma ótima
associação é mantida e manipulada por professores e voluntários, é
triste saber que tantas pessoas jovens como eu não vão progredir mais do
que progrediram até aqui por simples falta de vontade ou falta de crença
em si mesmo, é triste saber que a sociedade Canoense enxerga de uma
maneira tão piedosa e negativa os cegos da cidade, por puro desleixo e
falta de vontade deles próprios, é triste que eles dependam tanto de
caridade, talvez por comodismo, talvez por falta de coragem para dizer
um basta e tentar andar com as próprias pernas, é triste que muitos
deles não tenham acesso ao vasto mundo que a tecnologia dos leitores de
telas poderia trazer, é triste saber que eles não usam as aulas de arte,
que poderiam ser tão positivas e benéficas, mas sim como uma forma de
alienação, é triste saber que pessoas tão jovens, pessoas com um grande
potencial não vão ser aproveitadas, por simples comodismo. Eu realmente
lamento muito, gostaria mesmo de ter podido fazer algo, gostaria mesmo
de ter podido mostrar para essas pessoas que o mundo é muito mais amplo
e vasto do que aquilo que eles conhecem, mas sozinha eu não faria nada,
se eu falasse tudo isso para o presidente provavelmente seria posta para
fora como uma louca causadora de confusão, então, só me resta lamentar e
torcer muito para que essas pessoas possam ser melhores um dia.

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